Portugal, um ano de troika
08/06/12 08:05LISBOA
Na mesma semana em que a Espanha definirá se recorre ou não ao resgate externo financeiro, sua vizinha Portugal, onde estou esses dias, completa um ano de governo conservador pactado com a troika –como é chamado o trio FMI, Comissão Europeia e Banco Central Europeu, que resgataram o país ano passado.
O que, na prática, ou melhor, nos bolsos portugueses, significou um ano de cortes intensos e aumento de custo de vida.
Por isso, tenho a sensação de que, embora os “tugas” não protestem nas ruas como os espanhóis, a crise já penetrou no dia a dia de maneira bem mais forte neste lado da Península Ibérica.
A crise está por todos as partes, do festival de rock ao salário dos médicos, do desconto no supermercado a lojas falidas e no aumento dos impostos em restaurantes, mais vazios.
Achei que ao menos no Rock in Rio Lisboa, que aconteceu até o início da semana aqui na capital portuguesa, o tema ia dar uma folga. Nem isso. Durante o show da banda britânica James, o vocalista Tim Booth, que disse ser filho de português, fez um discurso entre uma música e outra: “o coelhinho tem nas suas mãos os sonhos dos portugueses”, disse, em referência ao primeiro-ministro conservador Passos Coelho.
Desde que assumiu o cargo, Passos Coelho tem sido considerado um dos melhores alunos da escola da alemã Angela Merkel, adotando todos os cortes e ajustes necessários para cumprir as metas de déficit impostas após o resgate financeiro.
Na semana passada, o dever de casa e as contas de seu governo receberam aprovação da tal troika, que abriu as portas para a quinta fase do empréstimo, desta vez de € 4 bilhões.
Para conseguir fazer o dever de casa, ele reduziu muitos salários e benefícios, como o subsídio de Natal, uma espécie de 13º daqui. Um médico me contou que, de € 2.200, seu salário despencou para € 1.600 este ano. O imposto de renda que terá de devolver desta vez, por outro lado, subiu para penosos € 3.000.
Já um político de uma pequena cidade nos arredores de Lisboa me disse, com lágrimas nos olhos, que recebera telefonema de uma moradora antiga de lá pedindo ajuda porque não tinha mais comida para o almoço daquele dia.
Com fama de discreto, o povo português não tem protestado muito, segundo contam por aqui. Ainda no Rock in Rio, uma amiga portuguesa, diante da multidão concentrada para ver o show do Bruce Springsteen, comentou: “só assim mesmo para os tugas saírem às ruas”.
Um ano de cortes de salários e aumento no custo de vida mexeu, no entanto, no conformismo dos portugueses com a troika. No início da semana, uma pesquisa publicada no jornal português “Diário de Notícias” mostrou queda de apoio do PSD, partido do governo, de 43% para 36% dos entrevistados, na comparação com um ano atrás. Ganharam apoio, por outro lado, partidos de esquerda que sempre foram contra a intervenção da troika no país.
As greves também pipocam com mais frequência. Na semana passada, voos foram cancelados por paralisações. Em julho, os médicos não vão trabalhar por dois dias. Os taxistas –que segundo um deles me contou, ganham 40% menos que no início do ano passado– também estudam mobilizações.
Entre os jovens, muitos falam em deixar o país, se já não o fizeram. “Mas muita gente já até voltou, os portugueses não gostam de ficar longe da sua terra”, comentou um amigo lisboeta.
A impressão que tenho nessas conversas aqui por Lisboa é que, escondido no desânimo e na apatia, há um otimismo que os portugueses ainda carregam diante da crise. Como se tentassem agarrar o que conseguem enquanto esperam passar o furacão.
Enquanto isso, o país vai tentando driblar mesmo a crise. Ontem, ela quase não era lembrada pelas ruas do Bairro Alto e do Chiado, animadas por músicos e bares cheios por causa do feriado. Amanhã, o mesmo deve acontecer com o jogo de estreia de Portugal na Eurocopa.
Ano passado, a Folha falou de uma série de iniciativas para mostrar que o país vai bem, obrigado, apesar do resgate (aqui, para assinantes da Folha e do UOL). Coisas como parceria de empresas para comercializar produtos entre si, um site que só publica boas notícias do país e incentivo ao consumo interno.
Quase um ano depois, elas continuam firmes e fortes. Hoje, por exemplo, uma grande rede de supermercados dá 50% de desconto em produtos nacionais. Em maio, a mesma promoção valia para simplesmente todas as compras, o que colapsou as lojas das redes. Houve até filas na porta dos estoques, me contaram.
Nesta manhã, uma grande filial da rede que vejo da janela do meu quarto tem movimento tranquilo. Ainda não se sabe se pelo feriado prolongado, por um ato de protesto com o supermercado –que começou a promoção no dia em que sindicatos do setor planejavam greve– ou mesmo pelo desâmimo dos portugueses. É que não foi, em qualquer caso, um ano fácil para eles.
A verdade nua e crua, é que países como Portugal e Espanha viveram um sonho de serem mantidos por Alemanha, França e outros produtivos. Viveram e ainda tentam viver de um passado que não voltará jamais, e seus cidadãos serão a cada dia mais pobres.
Ya pasamos por tantas desgracias no Brasil, época: Collor y Cia, que nada será tanta desgracias como en aquellos tiempos. Ojala no vuelva esta situación a ningún país del UNIVERSO.
A crise portuguesa é culpa dos portugueses ou de quem os socorre (FMI, CE e BCE)?
A crise por toda Europa é fruto:
1) da ganância dos especuladores, que já tentaram quebrar o Brasil em 1998 e 2002 (lembra-se?).
2) da política econômica alemã (que suga as demais economias)
3) e também da falta de economistas keynesianos no poder, o que reverteu na ideologia da austeridade que deprimiu as economias.
É nisso que dá acumular dívidas de maneira irresponsável! A crise européia é apenas isso! Não há o que protestar! A incompetência governamental foi legitimada pelo voto ou pela ausência dele – pois 40% dos portugueses sequer saíram de casa para votar. Em ambos os casos, a culpa sempre é do povo!
Que bom Luisa que descobri seu blog. Faz tempo que não vou a Portugal, mas esse país costuma ser a segunda pátria de muitos brasileiros. Estive por la bem antes da crise e como guia visitei varias vezes a região de Lisboa e do Algarve.
Olá Neco,
Eu digo mesmo: que bom que você descobriu o blog. Volte sempre.
Abs,
Luisa.
Falas mais do rock in rio Lisboa! E não podes dizer que os Portugueses não protestam. Sim há protesto e bem lembrado, são discretos, chamam-se GREVES. Mas a aceitação da troika, é só para não deixar o Euro, ora muitos tem na ponta da língua. _ Somos Europeus! e por conta disso aceitam de tal maneira o flagelo!
Oi Loryn,
Você tem razão, é também um tipo de protesto, quis dizer protestos nas ruas. Obrigada pelo depoimento, conte mais sobre a situação no seu país!
Abs,
Luisa.
Com um festival tão bom como o Primavera Sound a decorrer has we speak tinha de ir logo ao Rock In Rio, um sub-género ou McFestival!!! Eu também leio o El País. 🙂
gralha: as we e não has we.
Olá Manuel, falei do Rock in Rio Lisboa e não do Primavera Sound porque eu estive no primeiro e, infelizmente, não pude ir ao segundo. Você foi? Se tiver ido e se houve alguma menção à crise, por favor nos conte!
Abs,
Luisa.
Luísa, não fui ao Porto por questões de trabalho…e também por trabalho acho que não vou conseguir ir ao Super Bock Super Rock (é já em Julho!). Mas o que não faltam (e nem vão faltar) são festivais de Verão! Mas fica aqui outro depoimento: a crise está em quase todo o lado, sobretudo porque tem sido muito mediatizada. Mas felizmente há vida para além disto tudo e o que a população fez foi dedicar-se ao trabalho em vez de partir montras. Mas parece que até ser pacífico nos dias de hoje é mal visto…E as gerações mais novas em vez de cruzarem os braços e dizerem ‘somos a geração mais bem preparada de sempre e temos direito a que nos caia do céu um emprego’ têm feito por criar os seus próprios trabalhos, e outros têm emigrado – o que não terá de ser, neste mundo hiperglobalizado, sempre uma fatalidade. Ainda para mais a diáspora sempre fez parte da portugalidade. Há start-ups, há projectos, há vontade, mas como a Luísa já bem saberá, se em qualquer ponto da união alguém espirrar os vizinhos são afectados. Os hábitos mudam, mas sem dúvida que há futuro. (Eu leio sempre a sua coluna porque vivo entre Portugal e Espanha).
Também acredito que haverá futuro Manuel. Ainda mais para os portugueses que buscam no trabalho uma saída.
Abs,
Luisa.
Portugal anda num clima de pasmaceira há muito tempo, Luisa. O que parece ser não só fruto da crise econômica mas também de um certo cansaço das gerações mais antigas. O que não deixa de emprestar um certo charme às suas cidadezinhas. Muitos jovens têm deixado o país. Eu gosto muito de Portugal e principalmente das portuguesas, que apesar do sotaque meio ranheta são uma graça.
Tem razão Silvino. E eu também gosto muito de Portugal!
Abs,
Luisa.
aumentando o coro… adoro Portugal e principalmente, adoro a culinária portuguesa!
Este seu comentário é um bocado rançoso e tem um ligeiro travo a machismo. Parece que para o Silvino os bebés portugueses já vêm com bigode e cabelos brancos… A Europa no seu todo tem uma população envelhecida, Portugal não escapa a isso, mas não significa que os jovens tenham ‘cabeça’ de velhos. Por acaso até acho que Lisboa e Porto têm vindo a tornar-se cada vez mais vibrantes. Nunca nos faltou invenção e a crise pode ser até um catalisador positivo. Em 2012 Guimarães é Capital Europeia da Cultura (com um budget low cost, mas é) e Braga é a Capital Europeia da Juventude.