Vocês devem ter visto nos últimos dias algumas imagens de montanhas de lixos aqui em Madri, depois de que na semana passada, lixeiros da cidade anunciaram uma greve.
Bom, funcionários em greve –até aí nada de muito novo por aqui, em tempos de crise. Mas experimente acumular nove dias de lixo dentro da sua casa…
No primeiro dia, eram algumas lixeiras transbordando lixo. No segundo, sacos acumulados pelo chão. No terceiro já havia contâiners queimados. E hoje, nove dias depois do início da greve, vários bairros da cidade, sobretudo do centro, estão tomados pelo lixo.
A greve acontece em protesto a um corte de nada menos que 1.130 funcionários de limpeza de Madri anunciado por três das quatro empresas que têm a concessão do serviço de coleta de lixo na cidade –considerado, aliás, um dos melhores entre as capitais europeias.
O anúncio revoltou os funcionários, já que o corte mandaria para a rua quase um quinto deles — no total, são 6 mil. Com isso, eles alegam que seu serviço se tornaria inviável, motivo pelo qual convocaram a greve.
Na última segunda-feira, grevistas, empresários e o governo de Madri se reuniram para um acordo que, por fim, retirasse as montanhas de lixo em Madri. As empresas apresentaram sua proposta final: reduzir o corte à metade. Os funcionários não aceitaram, a prefeita madrilenha, Ana Botella, não conseguiu mediar, e daí a greve já atingir seu nono dia ante um preocupante cenário de total indefinição sobre seu fim.
Os grevistas dizem que só voltam a trabalhar quando as empresas desistirem de todas as demissões. Os empresários não aceitam, a prefeita tira o corpo fora, e a cidade vira aos poucos uma montanha de lixo, hoje o principal assunto da capital espanhola.
Não só pelo destaque do assunto na imprensa, mas sobretudo pelo que os moradores da cidade veem –e cheiram, e pisam em cima… A última vez que vi algo semelhante foi há dois anos, em Nápoles, quando fiz esta matéria sobre o acúmulo de lixo por causa do enfrentamento da então gestão da prefeitura com máfias que controlam a coleta de lixo. Não é o caso de Madri.
Mas a violência também está presente por aqui. Os funcionários que não aderiram à greve estão trabalhando sob escolta policial para cumprir os serviços mínimos de limpeza estabelecidos pela lei, depois de um deles ser agredido enquanto trabalhava. Há vários contâiners queimados pelo centro –nos primeiros dias de greve, a imprensa local afirmou que alguns grevistas atearam fogo nelas e reviraram lixo para dar mais visibilidade à paralisação.
Depois de nove dias, não é mais preciso: aqui pelo centro de Madri, não vi nesses dias uma rua sem rastros, cada vez maiores, da falta de coleta. Em bairros mais afastados, amigos meus contam que o acúmulo não é tão grande, embora já não passem desapercebidos.
Na semana passada, quando a greve ainda entrava no seu terceiro dia, eu decidi carregar na mão uma mala de rodinhas depois de tanto desviá-la de restos de comida. Agora, há ruas por aqui que são um verdadeiro tapete de guimbas de cigarro, e trechos de calçadas totalmente tomadas por sacos de lixo.
Deem uma olhada nessas fotos desta galeria que o site do “El País” abriu para que leitores enviassem imagens da consequência da greve em seus bairros.
Um movimento de moradores da cidade pede intervenção do Exército e já coletou 22 mil assinaturas para que os militares limpem Madri. O Exército disse que o fará se for convocado pela prefeitura. Os comerciantes do centro alegam que as vendas foram afetadas e os empresários madrilenhos, ante a grande repercussão que as imagens tem tido na imprensa internacional, temem queda do turismo para as festas de fim de ano.
Mas é justamente a prefeitura que vem sendo apontada como a grande vilã no meio de tanto lixo. Mais concretamente a prefeita, Ana Botella, mulher do ex-premiê José Maria Aznar que assumiu o cargo sem ser eleita. Até o seu próprio partido, o PP, acha que sua atuação no caso é pífia, como manifestado ontem o líder da sigla em Madri.
Até agora, Botella disse apenas que multará as concessionárias que não cumprirem o serviço mínimo e descarta um alerta sanitário, apesar de avisos e boletins de órgãos de saúde sobre o risco de ratos e doenças pelo acúmulo de lixo.
Algo que moradores da cidade, como eu, esperamos, com a porta e janelas de casa bem fechados, que não aconteça.