Praia com desemprego ou chuva sem ele?
28/06/12 09:09Swansea é uma pequena cidade ao sul do País de Gales. Fica às margens do Atlântico, com praias selvagens que estão entre as mais elogiadas do Reino Unido. Seus 232 mil habitantes vivem com um salário médio de R$ 6.300 ao mês e amplas ofertas de estudos na universidade local, de emprego na indústria e em serviços e de lazer em pubs, restaurantes e grandes lojas no centro da cidade.
Só não podem usufruir do mar que contemplam de suas janelas: a temperatura média da cidade não passa dos 19ºC, o que, misturado às águas frias do Atlântico, torna o verão dali um mito, uma esperança que nunca chega. É um sonho que eles imaginam realizar apenas em lugares como a extensa costa mediterrânea espanhola, de águas mornas, temperatura amena e… desemprego na casa dos 25% da população, algo maior que a de 3,5% de Swansea.
Se você fosse europeu, preferiria viver em um país com a segurança de uma economia estável mas que vê o sol apenas alguns dias do ano e cujas frutas têm sabor a plástico ou em outro com temperaturas amenas e alimentos frescos à beira do Mediterrâneo mas com as finanças na corda bamba e ameaças constantes de desemprego?
Esta não é uma pergunta retórica, mas algo que fiquei questionando na semana passada, quando o verão chegou oficialmente aqui na Europa, com as nuances que eu senti na pele. Na tarde de domingo, saí de uma temperatura de 37ºC em Madri para os 12ºC do País de Gales.
Andando sob a chuva fina de Swansea, lembrei de uma análise que o escritor espanhol Jordi Soler fez esta semana em “Elogio de los PIIGS” –uma referência à sigla supostamente pejorativa do grupo formado Portugal, Itália, Irlanda, Grécia e Espanha.
Ele acha que, com a crise, “a economia se tornou o relato único da Europa”. O discurso econômico, argumenta, tem sido tão imperativo na Europa que outros tipos de riqueza são praticamente esquecidos.
Um deles é o modelo de vida dos países com a pior situação econômica, que foram resgatados ou estão às portas disso, como os tais “PIIGS”.
Soler questiona, por exemplo, se um cidadão da Noruega, com o prêmio de risco controlado mas um inverno rigoroso, vive melhor que um de Palma de Mallorca, ilha espanhola no meio do Mediterrâneo, com o prêmio de risco nas alturas mas um clima ameno.
Não por acaso, é para os países resgatados ou às vias de um socorro financeiro que um exército de europeus do norte se refugia no verão. Em Mallorca, por exemplo, você topreça em alemães e tem que decifrar cardápios escritos em maioria na língua deles. O mesmo acontece no Algarve, a região sul de Portugal, mas desta vez com ingleses, que têm ali pubs e “english breakfast” à disposição ao longo da orla das praias de lá.
Claro que é muito relativo tentar apontar quem vive melhor, mas talvez o discurso econômico tenha sido mesmo tão imperativo que esses outros índices de qualidade de vida estão ficando para trás aqui na Europa. O que torna o verão ou bem um parêntesis de três meses nesta lógica ou uma oportunidade para o continente relembrar o que há por aqui para além da crise.
(segunda tentativa)
Marketing!
Em tempos – mesmo que breves – já foi PIIGGS, sendo que o segundo G era nem mais nem menos do que Great Britain! Numa luta especulativa do Dólar (e Libra) vs. Euro durou pouco…
Curioso que fala de Swansea: uma experiência de intercâmbio com esta cidade (há mais de uma década) mostrou-me que afinal o ‘Sul’ não está nada mal em termos de padrões de educação e civismo. Até porque se no ‘Sul’ se difundiu a democratização do ensino, no Reino Unido a sociedade acentuou a divisão de classes: e nem todos os ingleses estudam em Oxford. Longe disso. Os riots londrinos são sintomáticos…tal como os adolescentes britânicos em Mallorca e as suas bebedeiras épicas.
A verdade é que o ‘Sul’ (o povoador de boa parte da Europa) exportou durante séculos e séculos cultura – e ainda exporta. E parte dessa cultura permanece e é naturalmente passada entre gerações. Cultura não é também economia?
O ‘Sul’ organizou-se naturalmente, de forma orgânica, e centrou-se nos núcleos familiares, no desenvolvimento de redes interpessoais, na comunhão com o clima e natureza. O ‘Norte’, em certa altura, teve de impor uma organização social à base da repressão. Por vezes existem falhas – ou escapes – e ocorrem casos como os de Breivik.
O discurso alemão é reforçado por outros países satélites (como a Holanda e a Finlândia) que, para tentar desviar atenções da sua também frágil condição, parece não perdoar que o ‘Sul’ tenha quatro estações coroadas por um majestoso Verão. Um simplismo atroz!
A hipocrisia é tanta que a Alemanha parece esquecer-se de que o seu grande mercado é a EU e que a sua actual condição se deveu a uma livre e muito generosa ausência de fronteiras e alfândegas, tal como já se esqueceu de como teve de rebentar o deficit várias vezes…se fossemos falar das indústrias que cresceram graças ao trabalho escravo durante a WWII…
Falando de hipócritas não posso deixar de lado o Reino Unido, ou melhor, a Inglaterra, que ameaça referendar a permanência na UE, entre outros motivos, para tentar estancar o seu próprio problema de desagregação: a possível independência da Escócia.
Bem, mas talvez um dia a crise económica termine, talvez venham melhores governantes e talvez alguém tenha o bom senso de olhar para o que de positivo tem o projecto comum europeu. Quando o dinheiro deixar de ser problema, a diversidade passará outra vez a ser riqueza e não motivo de fractura. Fingers crossed!
O estilo e a forma de vida tb sao a riquesa de 1regiao e seu povo
Que delícia de relato, Luisa!
Apesar de preferir temperaturas mais frescas, certamente ficaria com as frutas saborosas dos balneários de Portugal e Espanha. Até porque…a crise um dia acaba!