Os brasileiros em fuga
17/07/12 19:25Quem assistiu ao programa da TV Folha deste domingo viu como o retorno de brasileiros que moravam em Portugal está devastando a economia de pequenas cidades do país ibérico (disponível aqui para quem não viu).
Nos dias em que passei nessas cidades coletando entrevistas fiquei impressionada com a quantidade de brasileiros seguindo esse trajeto. Não imaginava encontrar tantas histórias. Quem não estava fazendo as malas dizia ter 15 ou 20 amigos que já voltaram ao Brasil. Quem por enquanto não vai voltar ao Brasil se dizia triste com a evasão dos compatriotas por ali.
Como diz a reportagem, ainda não há uma pesquisa que aponte a quantidade exata de brasileiros que já deixou Portugal desde o início da crise econômica. Mas pelo impacto que o retorno de alguns deles deixou nessas cidades pequenas, dá para ter uma ideia do buraco que estão criando por ali.
Um indicador disso: os brasileiros lideram a lista dos imigrantes em Portugal que pedem auxílio para deixar o país à OIM (Organização Mundial para as Migrações, na sigla em inglês). Segundo o escritório da organização em Lisboa, 82,5% dos 2.100 pedidos de ajuda financeira foram feitos por brasileiros. Quando o pedido é aprovado, o imigrante recebe da organização uma passagem de volta ao seu país e não pode voltar a Portugal pelos três anos seguintes.
Um caso que me chamou a atenção pela recorrência nas conversas que tive por lá foi o de mulheres que ainda têm trabalho mas vão deixar o país porque seus maridos estão desempregados. É que muitos deles trabalhavam em construções, um setor que demandou muita mão de obra na mesma época da chegada mais massiva dos imigrantes brasileiros à Portugal. Isso foi lá por 2005, 2006, quando a terrinha vivia um boom imobiliário, e cidades costeiras como as que eu visitei tiraram máximo proveito disso. A associação de construtoras de Ericeira diz que cerca de 90% dos brasileiros que trabalhavam no setor estão desempregados.
A mineira Jandira Soares, 43, que eu encontrei na Costa da Caparica pelo sotaque, está nesta situação. Ela tem um emprego estável há dez anos, cuidando de um idoso português. Mas faz quase dois anos que seu marido não encontra trabalho, e o salário já quase não dá para os dois.
Em muitos casos, na verdade, os brasileiros ainda conseguem pagar suas contas, até porque o custo de vida baixou e eles têm acesso a serviços sociais. O problema é que já não sobra dinheiro para enviar a familiares no Brasil, o que acaba pesando na decisão de voltar. O garçom mineiro Luciano Pereira, 23, com quem eu conversei na Costa da Caparica, contou que conseguia mandar R$ 1.000 ao mês para casa há quatro anos, quando foi morar lá. Desde 2011, só lhe sobram R$ 250. Por isso, disse, está de malas prontas para voltar.
Em uma agência de turismo e envio de dinheiro em Ericeira, a quantidade de remessas caiu 60% no último ano.
Daí dá para ter uma ideia do impacto da evasão dos brasileiros, que há dez anos chegaram em massa a essas pequenas cidades. Foram atraídos pelo bom momento da economia de lá e pela tal teoria das redes migratórias: quem já imigrou contra das oportunidades de emprego para o colega que ficou no Brasil. Este decide ir também e um pouco depois traz o primo, que traz a mulher, a notícia se espalha pela cidade natal e por aí vai.
Já os portugueses dessas cidades que pude entrevistar se mostraram em geral solidários com os brasileiros. Alguns, bem educadamente, diziam reconhecer que a chegada dos imigrantes mudou “um pouquinho” a cidade, já que, afirmava, brasileiro gosta de uma festa, de um pagode na praça no fim do dia. Mas também contavam, por outro lado, como suas cidades estão agora silenciosas, vazias e até um pouco tristes, além, é claro de ter perdido um forte braço consumidor.
A goiana Tecylla Santos, que trabalha em um restaurante de Ericeira, resumiu para mim toda a história, do alto dos seus 21 anos: “Na época que chegamos os portugueses aqui reclamavam que tirávamos os trabalhos dele. Agora reclamam que abandonamos o trabalho e cidade deles”.
Luisa, imagino dura a vida do imigrante em países em crise. Mas, por que partem de sua terra natal , senão atrás de um eldorado idealizado como fácil de acontecer? Com exceção dos que fogem por conta de perseguiçāo étnica ou política, fico com a sensação de que os que vão não tentam com empenho ganhar a vida aqui. Estou errada?
Oi Marlene,
Acho que tentam sim. As pessoas migram em busca de novas oportunidades de trabalho, de vida diferente da que elas têm no país de origem. Muitas vezes, o fazem por incentivo de conhecidos que já estão no outro país e relatam que ali há trabalho. No caso desses brasileiros, eles migraram em uma época em que Portugal demandava muita mão de obra e o Brasil, pouca. Era uma chance de eles alcançarem um retorno financeiro que não tinham no Brasil, de ultrapassarem o teto salarial do qual dificilmente passariam.
abs.
Boa tarde Luísa. Vi a sua peça jornalística, li agora este seu artigo e tenho de ‘corrigir’ alguns dados: Portugal não viveu um boom de construção, pelo menos (e com a devida proporção) do tipo espanhol. Ocorreram dois picos de construção mas anteriores a 1998 (Expo) e Europeu de Futebol (2004), pelo que as datas de 2005 e 2006 não me parecem todo exactas. Em relação à economia de povoações com a Costa da Caparica e a Ericeira, esta sempre foi dependente da sazonalidade e de nichos específicos, no caso da Ericeira, por exemplo, o Surf. As comunidades imigrantes brasileiras funcionam em circuito fechado, pelo que a saída afecta sobretudo negócios de brasileiros dirigidos a outros brasileiros. A retracção é directamente proporcional à do resto do país parecendo-me um pouco forçado esse referido agravamento.
Olá Manuel,
Obrigada pelas ressalvas. No entanto, conversei com vários portugueses que foram sim afetados pela saída de brasileiros nessas duas regiões. As duas prefeituras inclusive ratificam isso. Dizem que suas cidades deixaram de depender dessa sazonalidade, à qual voltam agora. Todos os acadêmicos com que conversei apontam um desequilíbrio entre essas cidades e o resto do país, proporcional à alta concentração de brasileiros ali. Mas se você é de alguma dessas cidades por favor dê seu depoimento também, quanto mais versões da história melhor. E realmente não quis comparar o boom da construção de Portugal com o da Espanha, mas apenas dizer que ele demandou mão-de-obra imigrante em seu momento.
abs,
Luisa.
Obviamente que esta saída afecta. Mas como a Luísa refere, houve um retorno a uma situação anterior. E depois, admito que exista uma retracção correspondente ao momento de crise – que acompanha a do resto do país. Penso que o pior efeito é na própria demografia e possivelmente na futura arrecadação de contribuições para a segurança social – apesar da informalidade com que estes cidadão exercem as suas profissões – e não tanto na economia real já que, outra vez, tende a funcionar em circuito fechado e os imigrantes tendiam a enviar o máximo de dinheiro que recebiam para o Brasil. A paisagem humana dessas cidades alterou-se, e agora é necessária uma nova reconfiguração. Os tempos são de mudança. Cumprimentos
Concordo que os tempos são de mudança. Alias (esse teclado ta uma droga pra encontrar diacriticos, vai sem acento daqui pra frente). Eu me sinto muito contente por poder morar na Espanha durante uma crise como essa. É um periodo muito rico e se os governantes (e povo tb) não olhasse apenas para seus interesses pessoais, muita coisa boa poderia ser feita numa hora como essa. Crescimento economico por si so não é (aprendi a usar alguns) sinal de qualidade de vida. Os EUA cresceram tanto nos anos 90 e 2000 e mesmo assim muitos estados se transformaram em lugares horríveis de se viver. Cidades artificiais onde nada de inteligente e esperançoso acontece. Veja São Paulo, vc vai para periferia ver mazela e ouvir abobrinha e vai pro Jardins ouvir abobrinha do mesmo modo. Tem muita gente bacana por lá, mas tb muita gente burra que acha (e acham mesmo) que o dinheiro as fez especial.
É uma discussão ampla e sei lá que meia dúzia de gente le isso aqui depois que passam os dias e os posts envelhecem, mas acredito que Portugal não está pior sem esses brasileiros. Nem acredito tb que os governantes portugueses saibam aproveitar eficientemente a crise para reavaliar caminhos.
Li sua reportagem. Espantoso. Trabalhei no Brasil duarnate quarenta anos. Tive tres empregos ao mesmo tempo para sobreviver em São Paulo. Sempre quis embora. Sempre achei que os USA fosse uma oportunidade que eu não aproveitei quando meu primeiro filho estava nascendo. Hoje, amisgos que vem e que vão aos USA falam das coisas de lá. Portugal é uma pérola, mas não sei se poderei u dia conhecê-la. Se for não volto. O BRasil é uma maravilha, sua pujança é incontestável… mas, viver em SP virou o espectro do non-sense… há inúmeras Sampas e todas estão doentes… Como entendi a realidade desses jovens, hoje, farto, cansado e meio violentado pelos anos de trabalho, posso me dar ao luxo de deixar esse país… e escolher um lugar na Europa pra acabar os meus dias… isso se o mundo não se tornar cada vez mais insensato e perigoso como estão sendo feito as gestões de negócios nele… é triste.
É. Belo tipo de imigração. Em geral, gente insuportavelmente barulhenta que vai pra Europa limpar cinzeiro de restaurante argentino.
Luisa, muito oportuna sua reportagem. o sofrimento dos immigrantes e o mesmo em qualquer lugar. Moro em Port Saint Lucie, Fl, USA. e o mesmo acontece por aqui. Brasileiros estao retornando devido a crise e as pequenas cidades a sofrer, sobra de imoveis e negocios fechando por falta de clientes. os que ficam tem um reduzido ganho e nao podem mais fazer remessas para o Brasil, vivem com orcamento controlado, sem documentos ,um olho evitando contato com policia e o outro numa possivel mudanca das leis imigratorias. God Bless the Immigrants.
Gilberto, obrigada pelo depoimento, interessante saber que o mesmo acontece por aí. Mas faz sentido: é uma zona também pautada pelo crescimento imobiliário antes da crise e, com isso, contratação de mão de obra imigrante.
Abs e dê notícias sempre.
Luisa.