Sem documento, sem saúde
10/08/12 08:38No último post prometi falar mais sobre outra “insurgência” contra o governo espanhol, desta vez por parte de governos locais e médicos. Eles anunciaram que vão descumprir uma norma do premiê Mariano Rajoy que passa a proibir atendimento médico a imigrantes em situação irregular.
Desde o último governo, socialista, a Espanha se destaca na Europa e em todo o mundo por prestar serviços a imigrantes indocumentados. Em troca do atendimento “gratuito”, é o único país europeu que tem o mérito de ter registrada boa parte dos imigrantes ilegais –um bem valioso para estudos e políticas voltadas aos imigrantes. Isso porque, para um estrangeiro ter acesso aos serviços de saúde, basta inscrever-se no “padrón”, um registro municipal que não exige documentação nacional mas garante atendimento médico na rede pública do país.
A premissa do governo socialista para sustentar este modelo era a de que, em solo nacional, um governo não pode negar assistência a nenhuma pessoa.
Não podia. No início do ano, o novo governo anunciou que a Espanha deixará de atender a estrangeiros sem documentação nacional, com exceção de casos de urgência. A lei passa a valer a partir de setembro, quando o Ministério de Saúde vai cancelar cerca de 150 mil carteiras sanitárias –o documento que lhes dá acesso a qualquer atendimento em centros de saúde e hospitais públicos, de uma unha encravada a tratamento de doenças graves.
Pelo menos em quatro regiões do país e consultórios de mil médicos, no entanto, isso não acontecerá. Andaluzia, Catalunha, País Basco –três regiões de peso em termos de população ou PIB– e Astúrias anunciaram ao longo da semana passada que continuarão a atender estrangeiros em suas redes de saúde, seja qual for sua condição legal no país.
Além da rebelião institucional, associações de médicos também vêm anunciando que não deixarão de atender imigrantes que estiverem ilegais. A Sociedade Espanhola de Medicina de Família e Comunitária já angariou apoio de mais de mil médicos, que assinaram um documento alegando o dever ético de atender a qualquer tipo de paciente.
A norma, na avaliação de muita gente, tira da Espanha o grande mérito de conhecer boa parte de seus imigrantes irregulares. É um marco para as políticas migratórias e muito elogiado por especialistas em estudos migratórios.
Por outro lado, frequentemente há opiniões de que esta política sobrecarrega o sistema de saúde da Espanha. Não só por imigrantes irregulares que vêm tentar a vida no país, mas também por uma tática usada por outros europeus. Sabendo do atendimento gratuito a qualquer estrangeiro, eles viajam à Espanha para se submeter a cirurgias que, em seus países, não estão incluídas no serviço público de saúde. Este foi um dos principais argumentos do governo de Rajoy para mudar a norma.
No contra-argumento, se discute que manter o modelo de saúde universal não é só uma questão humanitária, mas também uma forma de controlar epidemias de doenças em camadas mais pobres da população, onde se situa a maioria imigrantes irregulares. O “El País” também lembrou, em editorial ontem, que os imigrantes costumam recorrer menos a atendimento médico na Espanha que os próprios espanhóis e que, saudáveis, poderão trabalhar e contribuir para a previdência social do país.
Outra equação que entra na lista de problemas a serem resolvidos pelo premiê Mariano Rajoy ainda neste verão europeu. Mesmo sob um calor de 41º C que hoje marcam os termômetros em Madri!
Problema delicado esse, mais um que o Rajoy encontra pelo caminho.
Acho que do ponto de vista social, é bem humana a atitude do governo em atender imigrante ou cidadão espanhol de maneira semelhante, mas se estão cortando verbas de toda maneira, acho compreensível que o povo espanhol reclame que essa fatura vá pesar no bolso deles.