O discurso do(s) rei(s)
25/12/12 15:40Todo dia 24 de dezembro o rei Juan Carlos 1º da Espanha faz um discurso de Natal, transmitido pela televisão e com mensagens de apoio e otimismo. Este ano, não foi só a crise que ofuscou o clima natalino do rei: no mesmo dia, o país parou para ouvir outro discurso, o de posse do presidente da Catalunha, Artur Mas, oficialmente renomeado ao cargo ontem.
A mensagem do catalão, que toma posse com a bandeira do separatismo da Catalunha, foi direta: “há dois barcos [Espanha e Catalunha] que rumam à colisão e isso não é bom para ninguém. Todos nós deveríamos nos comprometer a evitá-la”. A mensagem, em referência à tentativa do governo central de impedir um referendo sobre a independência da região, ressoou o resto do dia e ofuscou o discurso do rei.
Mas aos ouvidos do conservadorismo espanhol Juan Carlos 1º soou quase tão amargo quanto o mandatário catalão. O rei não economizou meias palavras e disse que a Espanha vive “um de seus momentos mais difíceis” em seus 37 anos de reinado.
Ele reconheceu que a crise alcançou “uma intensidade, amplitude e resistência que ninguém imaginava”. E pediu ao país “mais ordem nas contas mas também estímulos para a economia crescer”.
Ao longo do discurso, mandou recados ao movimento independentista catalão, como ao pedir que se mantenha a “fortaleza da Espanha como nação europeia”, o que ele faz com frenquência quando se trata de um tema que ganhou holofotes ao longo do ano: na última década, o rei falou do euro, do atentado da Al-Qaeda ao metrô de Madri, de uma “democracia plena e madura”, da seleção espanhola.
Este ano, Juan Carlos 1º discursou levemente recostado sobre sua mesa, em postura mais informal. Não foi por acaso. Em 2012, a Casa Real lançou uma forte estratégia para tentar reaproximar espanhóis de sua realeza. Depois de um ano marcado por denúncias de desvio de verbas públicas por seu genro e sua fatídica viagem para caçar elefantes na África, Juan Carlos 1º tenta recuperar a imagem de protagonismo na vida política da Espanha.
Mesmo tendo se submetido a três cirurgias, ele viajou na companhia de empresários para fora do país e, dentro dele, anunciou redução do salário dos membros da família real, que abriu site com mais transparência nas contas e na agenda. No seu discurso ontem, reconheceu que não vive seu melhor momento de popularidade, mas busca melhorá-lo.
Ontem, durante o discurso de posse de Artur Mas, uma cortina tapava a imagem do rei estampada na parede do salão de atos da sede do governo catalão.
viva la republica?cual es la utilidad del rey
Luisa:
Na monarquia constitucional, espera-se que o rei seja apolítico e apartidário nos seus comentários públicos. A rainha Elizabeth II por exemplo mantém-se impecavelmente fiel a esse postulado: mesmo com o Reino Unido em crise (embora não tão profunda como a da Espanha) e vivendo também a expectativa de um plebiscito em 2014 sobre a independência da Escócia, seu pronunciamento de Natal referia-se apenas a “platitudes” como o “jubileu de diamante”, “atletas olímpicos”, e “valores cristãos”, “família e amigos”, ou “solidariedade”.
Em contraste, no resto do Europa, o dia de Natal nos surpreendeu com 3 pronunciamentos muito longe da neutralidade política que se espera de um monarca constitucional. Refiro-me em particular ao supracitado discurso do rei da Espanha e aos discursos também do rei dos Belgas (Albert II), que denunciava os partidos “populistas” (leia-se fascistas/nacionalistas) como um “retorno aos anos (19)30”, e da rainha Beatrix da Holanda, que na mesma linha do seu colega belga, enfatizava a união indissolúvel entre os Países Baixos e a Europa (em resposta à extrema-direita eurocética representada pelo PVV de Geert Wilders).
Os monarquistas mais extremados que acreditam que não cabe ao rei ser apenas uma “figura decorativa” à moda inglesa talvez gostem desse tipo de ativismo aparente em algumas mensagens de Natal, mas inúmeras questões constitucionais e filosóficas aparecem quando um chefe de Estado que não é eleito e é “inviolável” (i.e. não está sujeito a responsabilidade) emite opiniões sobre questões de governo como relações com a Europa ou unidade nacional.