Por que a raiz do descarrilamento é a mesma da crise na Espanha
31/07/13 16:50Hoje saiu a público o conteúdo das caixas pretas do trem que descarrilou há exatamente uma semana em Santiago de Compostela, no norte da Espanha, deixando 79 mortos, dois deles brasileiros. Também foi conhecido o teor do depoimento que o maquinista do trem, Francisco José Garzón Amo, deu à Justiça ontem.
Como é normal nesses casos, busca-se por aqui, urgentemente, um culpado para o acidente, um dos piores da malha ferroviária europeia justo em um dos países com trens e linhas mais modernos e seguros do mundo.
Uns acham que é o maquinista, que confessou estar bem acima da velocidade máxima permitida no trecho do descarrilamento, uma curva acentuada a 4 km da estação de Santiago.
Outros já apontam o dedo para a Renfe, a administradora da malha ferroviária espanhola que também confessou, ante a denúncia da imprensa espanhola, faltar neste trecho um sistema de segurança europeu que detecta o excesso de velocidade e a reduz automaticamente.
Mas há uma linha de pensamento ganhando força por aqui segundo a qual a resposta não se encontrará revirando o conteúdo das caixas pretas ou analisando o depoimento do maquinista: a raiz do acidente estaria no mesmo “boom” econômico que afundou a Espanha em uma recessão que já dura cinco anos e atravessa sua segunda fase.
É que, nos anos desse “boom”, a Espanha recém ingressada na União Europeia vivia uma febre de investimento em infra-estrutura, um movimento bem parecido com o da vizinha Portugal. A crise que ambos os países hoje vivem contrasta com suas estradas impecáveis, seus aeroportos ultra-modernos e, no caso da Espanha, uma das malhas ferroviárias mais avançadas do mundo.
Era um movimento que crescia de mãos dadas com a expansão do mercado imobiliário, ambos propiciados pelo crédito fácil, o mesmo que levou à ruína milhares de famílias e centenas de empresas por aqui.
No afã desses investimentos, a Espanha promoveu nas últimas duas décadas uma profunda expansão da linha de alta velocidade, que hoje alcança 21 províncias do país.
As vantagens, claro, são inegáveis. Um trecho de 630 km entre Madri e Barcelona, por exemplo, é tranquilamente cumprido em duas horas e meia, com mais de dez opções diárias de horários, em poltronas confortáveis e uma viagem bonita e silenciosa sob praticamente o mesmo custo de um voo entre as duas cidades.
Mas é também inegável –e digo assim porque o próprio presidente da Renfe o admite hoje em entrevista ao “El País”– que a expansão, embora bem-sucedida e muito segura, deixou alguns “pontos negros”, caso do trecho onde houve o descarrilamento.
Isso porque, para chegar mais rápido a mais destinos, a Renfe adaptou trajetos antigos –ou seja, de velocidade normal– para receber trens de alta velocidade. Até aí, nenhum problema ou infração, segundo opinaram dezenas de especialistas ao longo desta última semana por aqui. São linhas híbridas, totalmente adaptadas, caso do trem que descarrilou, do tipo Alvia, o mais moderno da frota espanhola justamente por ter capacidade de circular em trechos convencionais e de alta velocidade.
O problema foi que, em alguns desses trechos adaptados, a Renfe não instalou o sistema de segurança, um modelo europeu só compatível com a linha de alta velocidade. E assim o respeito à velocidade nesses trechos fica a cargo dos maquinistas, que, como aconteceu em Santiago segundo depoimento do condutor, podem se despistar e não diminuir a alta velocidade nos pontos ainda não adaptados a ela.
E não é por acaso que o acidente tenha acontecido justo em uma linha de alta velocidade: é que talvez o mundo esteja com muita pressa…
É Luisa,
E a fina ironia da última frase serve muito bem no Brasil e em sua sanha consumista que prescinde da condição cidadã.
Luisa, muito boa a observação! Parabéns e tudo de bom por aí! Quem sabe pinto para uma visita este ano!
Beijão!
Além de ótima informação, muita sensibilidade!
Parabéns!
Prezada Luísa Belchior, a sua reportagem sobre o acidente ferroviária recém ocorrido na Espanha está muuit bem elaborada e as razóes por voce apontadas sáo corretas, pois, correspondem à verdade. A única coisa que mudaria, se o tivesse redigido, sáo os indeléveis chavóes tipicamente brasileiros, como:”E não é por acaso que o acidente tenha acontecido justo em uma linha de alta velocidade: é que talvez o mundo esteja com muita pressa…” Depois de viver tantos anos fora do Brasil, chego à conclusáo que isso é totalmente descartável e só tira a seriedade que o seu ótimo texto merece.
Olá José,
Obrigada pelo comentário e as observações. O comentário no final não se trata de um chavão, mas de uma hipótese que me produziram tantos dias entrevistando especialistas e pessoas envolvidas direta ou indiretamente lá em Santiago, visitando o local do acidente, lendo dezenas de reportagens na imprensa espanhola sobre o tema na última semana e acompanhando a trajetória da expansão das linhas de alta velocidade na Espanha.
Como este espaço é um blog e, portanto, aberto a textos mais informais e pessoais, achei que cabia fazê-lo. Ainda assim, agradeço sua opinião, que será sempre muito bem-vinda, como foi agora.
Um abraço,
Luisa.
Muito bom o texto.