Naquele 14 de abril, a Espanha concentrava seus nervos na eminência de um resgate financeiro, que a desconfiança dos mercados e risco-país em níveis recorde tornavam real. Até que chegou à imprensa uma história com notas surrealistas e cujo protagonista era ninguém menos que seu chefe de Estado e um dos mais antigos representantes da realeza europeia.
O rei Juan Carlos 1º, noticiou a imprensa, voltava de urgência de uma viagem até então não divulgada para Botsuana, onde participara de um safari para caçar elefantes. E não parava por aí: ao levantar no meio da noite, em uma espécie de acampamento onde se alojou, o rei tropeçou e fraturou o quadril. Dias depois, já na Espanha, deixava o hospital com cara de criança arrependida e, ante as câmeras, fazia um discurso inédito em seus 37 anos de reinado: “Sinto muito. Me equivoquei. Não voltará a acontecer”.
O país estava incrédulo ante a notícia de que, em meio a um bombardeio dos mercados e no auge da crise econômica de seu país, seu rei deu uma escapada sigilosa a outro continente para dedicar-se a um ócio de caráter duvidoso bancado por um empresário saudita.
Passado um ano da aventura real, Juan Carlos 1º ainda não conseguiu recuperar a popularidade que conquistara com uma postura forte ante tentativas de golpe militar e protagonismo na transição democrática da Espanha após a ditadura de Franco.
O problema para Juan Carlos é que esse protagonismo, que é unanimidade por aqui em todos os setores, aconteceu há três décadas. Por isso a população jovem pouco sabe que seu rei apareceu ao vivo em cadeia nacional vestido com seu uniforme de capitão-general para chamar à ordem e afrontar a tentativa de golpe de parte dos militares, que invadiu a sessão do Parlamento na votação do novo presidente do país, fez disparos para o alto e deputados reféns e chegou a preparar frotas para ocupar as ruas.
A aparição do rei fez os militares desocuparem o Parlamento e desistirem do golpe, levando milhares de pessoas às ruas para celebrar a democracia, com faixas com dizeres como “viva o rei”.
É verdade que, neste último ano, o rei, em lugar de recolher-se ao castigo, vem se esforçando para recuperar a imagem de líder da nação, uma imagem que via ainda muito presente há apenas quatro anos, quando cheguei na Espanha.
Primeiro, Juan Carlos e a Casa Real começaram com uma “faxina”: divulgaram que o rei não fará mais viagens bancadas por milionários árabes ou de qualquer parte do mundo e afastaram de todas as atividades oficiais da família real a infanta Cristina e seu marido, Iñaki Urdangarín, ambos envolvidos em caso de suposto desvio de verbas públicas que tramita na Justiça.
Depois, apostaram em três táticas. Na primeira delas, a Casa Real tornou pública em seu site a receita que cada membro da família real recebe do governo, em um projeto de transparência que deve se aprofundar porque, neste mês, o Congresso espanhol discute incluir a monarquia na Lei de Transparência do país. Se for assim, todas as contas da Casa Real passarão a ser conhecidas.
O rei também resgatou o papel de “embaixador” das empresas espanholas, embarcando em viagens, agora bastante divulgadas, na companhia de empresários de seu país com o objetivo principal de angariar bons contratos para eles mundo afora. No tradicional discurso de Natal, como contei aqui na época, quis passar a imagem de um rei trabalhador e longe de abdicar de seu trono, falando aos espanhóis recostado em sua mesa de trabalho.
E uma terceira estratégia foi colocar em evidência o príncipe Felipe –que tem uma das melhores avaliações em pesquisas de opinião entre a família real– com sua família, composta pela princesa Letícia, uma ex-jornalista televisiva de personalidade forte que renovou e reaproximou a realeza dos espanhóis, e suas duas filhas, que parecem saídas de um catálogo de moda infantil.
Cada vez mais, Felipe e Letízia substituem aos reis em eventos oficiais. Até porque, tirando a cirurgia de quadril a que foi submetido por causa do tombo na África, o rei passou outras quatro vezes pela mesa de operação. Da última, por uma hérnia de disco, ainda está repouso, em uma recuperação que pode durar até seis meses, o que lhe fez cancelar viagens para este semestre.
O que fez crescer comentários de que ele abdique do trono em favor de seu filho, algo que a Casa Real nega rotundamente. Independentemente disso, comentaristas políticos e de monarquia que ao longo da semana passada avaliaram o primeiro ano do tombo na África foram unânimes em afirmar que o pepino maior da queda de popularidade da realeza espanhola passará para as mãos de Felipe, seja quando for.
Até porque as denúncias de suposta corrupção cometida pelo Duque de Palma, genro do rei, foram o que realmente estremeceu as bases da monarquia na Espanha, combinada com uma profunda crise econômica que motivou manifestantes a questionar os custos de manter uma realeza em um momento de duros cortes de gastos sociais.
A Casa Real ainda aguarda também os desdobramentos do envolvimento com o caso da infanta Cristina, que há duas semanas foi indiciada e oficialmente incluída nas investigações, convocada para o que será a primeira vez que um membro da realeza terá que prestar depoimento à Justiça espanhola.
Quem por enquanto se salva da crise de popularidade é a rainha Sofia, que segundo se comenta por aqui mantém uma relação fria e distante com o rei e sustenta as melhores notas de popularidade de sua família.
Curiosamente, foi ela que, um ano depois, fez nova viagem à África. Mas desta vez foi Juan Carlos 1º que ficou em casa e, em vez de caçar elefantes em Botsuana, a rainha Sofia passou a semana em Moçambique, visitando projetos sociais financiados pelo governo espanhol.
O rei continua de recuperação, não só da cirurgia da hérnia de disco, mas também de um tombo do qual, um ano depois, ainda tenta levantar.