'Qué (não) pasa' com a realeza espanhola
04/04/13 21:04“‘Qué pasa’ com a família real?”, perguntou um comentarista televisivo a seu colega na noite desta quinta-feira, que o respondeu: “a pergunta é: o que não passa com a família real?”.
Os dois não se referiam só ao fato de a filha caçula do rei, a Infanta Cristina, ter sido ontem indiciada por suposto envolvimento em esquema de desvio de verbas de seu marido. Falavam também de trapalhadas e tropeços da família real nos últimos dois anos que vêm arrastando sua popularidade ladeira abaixo, da viagem secreta para caçar elefantes na África descoberta por causa de um tombo do rei no meio da noite a tiros acidentais, passando por uma suposta relação turbulenta entre Juan Carlos 1º e a rainha Sofia e, claro, o escândalo envolvendo seu genro.
Nenhum desses casos, no entanto, haviam ido parar na Justiça. Assim como outros escândalos envolvendo membros de realezas vizinhas aqui da Europa. Até ontem.
Por isso não só a Espanha mas também toda a Europa, que noticiou o caso na capa dos principais jornais, estão de olho no episódio e temerosos de eventuais consequências para a monarquia no continente.
Por aqui, em programas de comédia, no balcão do bar, na minha academia de ginástica, em todos os jornais impressos e televisivos, os espanhóis, que adoram um debate, passaram o dia discutindo o tema.
A família real por enquanto faz que não é com ela. A própria Cristina saiu para trabalhar nesta manhã normalmente e entrou em seu escritório, em uma instituição bancária em Barcelona, pela porta da frente, enfrentando câmeras mas sem dar declarações. Também hoje, seus dois irmãos participaram de atos oficiais e não mencionaram o caso.
O príncipe Felipe, primeiro herdeiro ao trono, foi coincidentemente entregar títulos a novos juízes –só para lembrar foi justamente um juiz que indiciou sua irmã, procedimento que cabe ao judiciário aqui. Na cerimônia, disse que “os juízes são merecedores da maior confiança”.
Felipe vem sendo colocado em evidência pela Casa Real desde o último ano, no que se interpreta como uma estratégia para ir aos poucos adquirindo protagonismo ante a queda de popularidade de seu pai, o rei Juan Carlos 1º.
Hoje alguns editoriais de jornais e catedráticos de História e Direito Constitucional que participaram de debates televisivos expressaram um certo lamento pela deterioração da imagem de Juan Carlos, um chefe de Estado que “foi capital na transição democrática da Espanha”, nas palavras ditas hoje pelo ministro de Assuntos Exteriores, José Manuel Margallo.
De qualquer maneira, o caso ainda está aberto, e na sexta-feira a Procuradoria vai apresentar recurso ao envolvimento formal de Cristina no caso, o que deve atrasar ou até suspender seu depoimento, inicialmente marcado para o próximo dia 27 no tribunal de Palma de Maiorca.
E em tempos de crise foi inevitável que se questionasse por aqui possíveis implicações do caso para a imagem da Espanha nos mercados e, consequentemente, à economia do país. Por enquanto os mercados não reagiram a isso, mas vale lembrar que o rei Juan Carlos virou uma espécie de embaixador empresarial da Espanha. Para qualquer canto do mundo que vai, leva atrás um monte de empresários espanhóis e foca suas pautas em angariar contratos para seu país.
Houve quem sugerisse que, para tentar limpar o nome da monarquia, o rei ordenasse que sua filha caçula abdique da sucessão ao trono –o que já seria pouco improvável de acontecer, já que Cristina é a sétima na fila da sucessão, atrás de seus irmãos e sobrinhos.
Mas não há sinal de que a família real tome alguma decisão brusca. Será mesmo uma questão de tempo para saber “qué pasa” com a realeza espanhola e seu país.