Juízes, professores, médicos, advogados, estudantes, separatistas. Esta semana todos esses grupos fizeram manifestações aqui na Espanha, de forma separada mas com o mesmo alvo: a política de austeridade do atual governo.

O maior protesto foi o de médicos de Madri, que ao longo da semana fizeram uma série de manifestações, chamadas de “maré branca” em referência à cor que vestiram os manifestantes. A última delas foi neste domingo aqui no centro da capital.

Eles protestam contra o plano do governo de Madri de privatizar parte de hospitais e centros de saúde. Junto com os protestos, os médicos madrilenhos estão em greve há 12 dias, o que, segundo o governo madrilenho, levou os hospitais públicos a cancelar cerca de 4.000 operações.

Já os juízes e advogados também saíram às ruas em massa esta semana, depois de uma série de paralisações e manifestações desde novembro. O alvo deles é a reforma legislativa implementada pelo Ministério da Justiça que, entre outras coisas, aumentou as taxas para processos judiciais.

Em Barcelona, o maior protesto da semana foi a manifestação contra o projeto de reforma da lei de educação. A proposta provocou a ira da Catalunha porque, na prática, vai reduzir drasticamente o ensino em catalão nas escolas da região. Lá, as aulas são todas no idioma local, com apenas algumas horas na semana de ensino de espanhol.

Na quinta-feira, a manifestação acontecia na porta do Palácio da Generalitat, a sede do governo catalão, no exato momento que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebia ali um prêmio das mãos do presidente da Catalunha, Artur Mas.

Ainda que com causas diferentes, todos os grupos miram o governo central do premiê Mariano Rajoy. Para o ano que vem, analistas preveem que Rajoy terá que ter muito jogo de cintura para lidar com uma insatisfação crescente destes grupos distintos da sociedade espanhola. Além de tentar manter compromissos econômicos e fiscais para evitar o socorro financeiro, a Espanha deve ver crescer em 2013 um cenário de instabilidade social crescente.

Hoje a Folha conta (veja aqui) do imbroglio judicial envolvendo o Centro Niemeyer, um complexo cultural projetado por Oscar Niemeyer em Astúrias, no norte da Espanha, e que hoje é a maior obra do arquiteto na Europa.

Na mesma semana da morte de Niemeyer, o governo de Astúrias entrou na Justiça contra a fundação que geria o centro por denúncias de desvio de dinheiro público. Desde o ano passado, já dizia aos sete ventos que os gestores gastavam demais, mas só agora levou as denúncias aos tribunais.

Os gestores acusados já não estão à frente do centro, que por isso acabou mudando seu perfil. De um espaço voltado para artistas e eventos internacionais, passou a ser mais centrado na cultura local.

No meio da disputa, hoje moradores de Avilés, a cidade onde foi construído do centro, fizeram homenagem ao arquiteto. Levaram flores à praça central do Centro Niemeyer e fizeram, em conjunto, uma música em homenagem a ele. A canção está disponível neste vídeo.

BARCELONA

O prêmio que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebeu ontem do governo catalão aqui em Barcelona não sairá de graça. Por trás dele, há um plano sutil mas ambicioso do governo da Catalunha de tornar-se um elo comercial entre Europa e Brasil.

Lula foi escolhido vencedor do Prêmio Internacional Catalunha, que elege anualmente personalidades com destaque no cenário global, por unanimidade entre outros 176 candidatos. Por isso, passou o dia ontem em Barcelona, última parada da viagem de uma semana na qual passou também por Berlim, Paris e Doha.

A premiação ao brasileiro acontece no mesmo momento em que o atual governo catalão busca fora da Espanha, Brasil incluído, apoio político e financeiro. Ao agraciar Lula com € 80 mil euros (cerca de R$ 210 mil) e uma escultura do artista catalão Antoni Tàpies, o governo catalão busca uma recompensa muito maior: angariar respaldo de Lula para abrir camimho à entrada de suas empresas no Brasil.

Há pouco mais de um ano, o governo local abriu a câmara de comércio Brasil-Catalunha. Foi a consolidação, disse na época o presiente catalão, Artur Mas, de “um matrimônio no qual o Brasil oferece crescimento e expansão e a Catalunha aporta empresas e profissionais de alta qualidade”.

Ontem, ao entregar o prêmio a Lula, Artur Mas aproveitou a cerimônia para propagar seu projeto separatista, que, disse, tem o Brasil como uma de suas inspirações. O tema dominou seu discurso.

Ante o apelo de Lula para que a Europa não sacrifique direitos sociais, afirmou que “a Catalunha tem recursos próprios para manter o Estado de bem-estar social”, ainda que seu governo esteja fazendo duros cortes nele.

Aos jornalistas brasileiros presentes na cerimônia, Mas revelou que planeja viagem ao Brasil para explicar o independentismo catalão.

A própria premiação concedida a Lula não é um evento isolado. O prêmio anual tem o objetivo, disse Mas, “de situar no mundo a Catalunha, um país muito menor que o Brasil mas com a mesma vontade de projeção internacional”.

O presidente catalão só conteve suas ambições do plano separatista ao falar de futebol. “A Catalunha ainda não terá uma seleção própria em 2014, então o Brasil pode ficar tranquilo. Mas aproveite agora, porque mais adiante pode ser diferente”.

Alguns leitores que têm voos da Iberia reservados neste fim de ano escreveram para saber se seriam afetados pela greve da companhia anunciada para dias próximos ao Natal.

Hoje, a companhia anunciou que a paralisação foi cancelada. Ou seja, todos os voos serão operados neste fim de ano.

O que não quer dizer que funcionários da Iberia chegaram a um acordo com a companhia. Por enquanto, as duas partes continuam sem encontrar uma solução alternativa para o plano da companhia de demitir cerca de 4.500 funcionários.

O cancelamento da greve, segundo os funcionários, foi decidido depois de o governo espanhol pedir que eles não parassem, já que isso afetaria muitos passageiros.

Como contei aqui na semana passada, o presidente da Iberia, Antonio Vázquez, enviou um email a todos os clientes registrados explicando seu plano de corte de pessoal.

A Porta do Sol, principal praça de Madri, tem sido muito falada por ser palco dos principais protestos da Espanha desde 2010. É para mim uma espécie de praça Tahrir daqui, guardando as devidas proporções (nenhum mandatário espanhol foi desposto, por enquanto…).

Só que Sol, como chamamos por aqui essa região, é também o epicentro turístico de Madri e, por isso, arrasta até si uma multidão a cada fim de semana que marcha em direção às grandes lojas dali. Este fim de semana, o primeiro das compras de Natal e das ainda tímidas promoções de fim de ano, levei um susto com a quantidade de gente por lá.

Como moro perto e acabava de chegar de viagem, fui a Sol na tarde de sábado fazer compras de supermercado. Só não desisti por causa da dispensa vazia em casa, mas foi por pouco. Tive que dar meia volta com a bicicleta e, andando, fui esmagada na multidão, como poucas vezes fui em manifestações na mesma praça.

No comecinho de 2009,  no segundo dia em que estava em Madri, fui à Porta do Sol com uma amiga para comprar um chip de celular e lembro de ter me espantado com a quantidade de gente lá. Perguntei a ela o que acontecia e ela disse que era sempre assim, o que eu comprovei a cada fim de semana que vou lá nestes quatro anos que se passaram desde então.

Não encontrei até agora estatísticas sobre o movimento por lá neste fim de semana, mas jornais e noticiários daqui também destacaram a multidão que enfrentou o frio próximo a 0ºC para ir às compras.

Mas como vocês bem sabem a Espanha está em crise, e a Porta do Sol é só um recorte, bem pequeno, do comportamento do consumo espanhol. Porque no geral ele vem caindo –em novembro, o IPC (Índice de Preços de Consumo) fechou em 2,9%, ante 3,5% em outubro). Natural em uma sociedade que já tem mais de um quinto de sua população vivendo debaixo da linha de pobreza e um quarto dela desempregada.

Os cortes de salários, principalmente de funcionários, também deve intimidar mais o consumo neste fim de ano, o primeiro com redução nas folhas de pagamento. O mais importante deles é o do bônus de Natal, uma espécie de 13º que na verdade é parte do salário, fragmentado em 14 parcelas (há também uma extra no meio do ano). Neste ano, o governo anunciou a supressão da última parte do salário, o que foi motivo de uma série de manifestações durante o verão, todas adivinhem aonde? Sim, na Porta do Sol.

Ao menos para os funcionários do País Basco, o pagamento está garantido. Nesta segunda-feira, o presidente da região, Patxi López, confirmou, como já havia anunciado antes, que pagará o bônus de Natal, em outra demonstração de regiões que vêm se rebelando contra medidas do governo central.

Ontem assistia a um de meus programas favoritos da televisão espanhola, a série “La que se Avecina”, quando o Brasil apareceu no meio da história através de dois estereótipos muito comuns, um já meio passado e outro bem atual: o de imigrantes irregulares e o de país do futuro.

Embora às vezes tachados de grosseiros e ranzinzas pelos latino-americanos, os espanhóis têm também um humor afinadíssimo e bem escrachado. Sabem rir de si mesmo e fazer ótimas piadas disso, na minha opinião. E o “La que se Avecina”, título que faz trocadilho combinando seu enredo –em que os personagens são todos vizinhos– com a expressão, usada para quando se prevê algo ruim a caminho, é um exemplo disso.

A série retrata o dia a dia de um condomínio nos arredores de Madri cujos moradores estão quase todos endividados por causa da crise. A construtora do prédio deu um golpe nos compradores e sumiu. Desde então, eles seguiram em derrocada: perderam o emprego, foram abandonados por suas mulheres…

E daí o humor afinadíssimo, que consegue arrancar gargalhadas (pelo menos minhas) com situações tristes e reais. Eu interpreto como uma crítica, em tom cômico, a quase tudo que há de ruim hoje na Espanha. Com piadas super atuais, falam da política, de valores da sociedade e até da herança franquista, encarnada em um dos protagonistas.

Bom, mas o que queria contar mesmo é que, no episódio desta semana, três personagens brasileiros entram em cena. Um deles é a nova namorada de Fran, o filho de um dos moradores, apesar de ser bem mais velha que ele (a cena está aqui, para quem quiser ver). Dançarina de uma boate, ela se muda para a casa dele e leva junto o resto da família.

A presença da trupe brasileira é reprovada pelos moradores, embora todos se sintam atraídos por eles. Mesmo assim, acabam ligando para a polícia e denunciando os imigrantes irregulares, que são levados de volta a seu país (veja neste outro link a cena).

A virada de jogo para o nosso país vem quando o jovem espanhol decide ir atrás da namorada e anuncia que vai morar no Brasil. “Então você quer viver sua vida em um país em vias de desenvolvimento?”, questiona seu pai, no que ele responde: “Melhor que estar em um com seis milhões de desempregados…”, uma referência à Espanha e sua taxa de desemprego que ronda os 25%. E que, em novembro, voltou a subir, segundo divulgou ontem o instituto de estatística espanhol.

Se na série o pai de Fran, o jovem apaixonado pela brasileira, tentava impedir de qualquer maneira seu filho de deixar o país, na vida real não tem sido assim. Ainda que sejam fortemente ligados à família e valorizem ter seus filhos por perto como bons latinos, muitos espanhóis têm incentivado os filhos a buscarem trabalho fora da Espanha.

Outro programa de televisão, desta vez de atualidades, exibido esta semana mostrava essa realidade através de um jovem casal que fazia as malas para ir a Londres, onde conseguiram trabalho. O pai de um deles, que os levava ao aeroporto, resumiu esta situação ao responder ao repórter como se sentia com a emigração de seu único filho: “devastado, minha mulher nem conseguiu vir. Mas mais triste é que sei que aqui eles já não têm presente e não terão futuro”.

A história está no vídeo abaixo, do programa “Comando Actualidad”, se alguém quiser assistir:

Comando actualidad – Tengo futuro

Neste sábado recebi no meu email uma carta do presidente da Iberia, Antonio Vázquez. Bom, eu e todos os clientes Iberia Plus da companhia, aos que, pela via direta, Vázquez avisa dos recentes “problemas” de sua companhia.

Nesta semana, o sindicato de funcionários da Iberia anunciou uma greve de seis dias, bem próximos ao Natal, em protesto a um plano de cortes de cerca de 4.000 empregados que Vázquez defende nesta carta.

O presidente da Iberia pede o nosso apoio “neste difícil caminho que temos que recorrer”. É que, segundo ele, a companhia tem hoje custos “fora do mercado” e acumula perdas de quase 900 milhões de euros desde 2008.

Por isso, diz, lançou mão de um plano de redução de empregos e salários e também de rotas atuais para “resolver os problemas estruturais que arrastamos há tempos”. Ainda que, por outro lado, a companhia fará, escreve Vázquez, um “investimento multi-milionário” em frota e instalações.

Como é de se imaginar, o sindicato dos funcionários da Iberia se opõe ao plano, e por isso convocou a greve, que Vázquez condena. Ele diz que o sindicato anunciou a paralisação sem nem sequer dialogar com a companhia.

Por via das dúvidas, eu já estou gastando as milhas que tinha acumuladas no programa de pontos da companhia…

As pensões representam aqui na Espanha o último bem social que as políticas de austeridade ainda não ousaram entrar fundo. Mas hoje chegaram perto. Nesta sexta-feira –o fatídico dia da semana em que o governo daqui distribui más notícias aos espanhóis– a equipe do premiê Mariano Rajoy anunciou que não vai reajustá-las de acordo com a inflação no ano que vem.

Pode não ter sido uma redução direta das pensões, mas a medida tem muitos efeitos reais. Pela lei de seguridade social espanhola, todos os anos o valor que o governo paga aos pensionistas é reajustado de acordo com o IPC (Índice de Preço ao Consumidor), que, segundo o governo divulgou hoje, fechou o mês em 2,9%.

Em vez disso, o reajuste será só de 1% para pensões acima de 1.000 euros ao mês e 2% para quem recebe menos que isso mensalmente.

Ok, é um aumento, você pode pensar, mas não real, porque por outro lado há o aumento do custo de vida. Em média, os pensionistas vão deixar de ganhar 436 euros em todo o ano, segundo um cálculo feito pelo jornal “El País” após o anúncio do governo.

E há um agravante nisso: hoje em dia, muitas famílias são integralmente sustentadas pela pensão de idosos. Em novembro, havia nada menos que 300 mil lares nesta situação, o triplo de 2008.

A Espanha tem hoje quase 9 milhões de pensionistas –para comparar, os desempregados são cerca de 5 milhões.

Em segundo lugar, há um forte simbolismo neste anúncio. Ele é uma quebra de promessa que o premiê Mariano Rajoy fez ano passado, quando ainda era candidato. “Se algo não tocarei, serão as pensões”, declarou Rajoy na ocasião, uma frase que foi amplamente repetida ao longo deste ano, todas as vezes em que se divulgavam rumores sobre congelamento ou redução das pensões.

O atual premiê foi também um forte crítico de seu antecessor, José Luis Rodríguez  Zapatero, quando o socialista decidiu congelar as pensões durante sua gestão. Era a única vez que o governo tinha tocado nas pensões. Até hoje.

Paula é uma jovem paciente do hospital catalão Sant Joan de Déu, referência no tratamento de câncer infantil. Há alguns meses, teve a ideia de fazer um videoclipe com crianças internadas ali ao ouvir a música “Seguiremos”, do cantor espanhol Macaco.

Macaco, nome artístico de Daniel Carbonell, é líder de um grupo com tons de reggae que surgiu nas ruas de Barcelona mesclando vários instrumentos tocados por músicos de nacionalidades diferentes. Criou seu próprio selo através do qual já lançou sete discos, e hoje arrasta multidões em seus shows pela Europa e pelo mundo –este mês fazem tour na América Latina.

Paula queria mostrar que as crianças em tratamento também se divertem e ainda angariar fundos para o hospital. Correu atrás da ideia e conseguiu que Macaco não só participasse do videoclipe como também cedesse os direitos autorais da música, com mensagens de otimismo e esperança que também valem para a atual crise pela qual a Espanha atravessa.

O vídeo, no qual crianças e familiares, médicos, enfermeiros e voluntários cantam, interpretam e dançam coreografias, foi divulgado oficialmente ontem. No mesmo dia, por coincidência, sentei no metrô ao lado de um homem que fazia flores de papel de seda e oferecia em troca de contribuições para uma ONG que ajuda crianças em hospitais.

Fiquei contente com a mensagem, e espero que vocês também…Aqui vai o vídeo:

Você assistiria a uma aula de como operar um cachorro a céu aberto e sob uma temperatura de 1ºC?

Não sei você, mas estudantes de Medicina da Universidade Complutense de Madri sim. E não estiveram sozinhos: 129 professores da instituição saíram hoje das salas de aula convencionais e lecionaram nas ruas da cidade no dia mais frio deste outono.

Foi a maneira que alunos e professores universitários de Madri escolheram desta vez para protestar contra os cortes em Educação promovidos pelo governo do premiê conservador Mariano Rajoy. No Orçamento de 2013 que o Congresso acaba de aprovar, a verba para as universidades de Madri sofreram um corte severo: 165 milhões de euros menos que em 2012, de um total de 863 milhões de euros.

Para tentar compensar, as universidades públicas estão aumentando bastante o valor das taxas que os alunos têm de pagar a cada ano para cursar estudos de graduação e pós-graduação, e daí a revolta dos alunos e sua disposição em encarar aulas no frio.

Pela manhã e pela tarde, aulas de cursos como Medicina, Física, História, Filologia aconteceram em vários pontos da cidade, desde praças até restaurantes. Com mega-fones, professores davam aulas enquanto a imprensa registrava o protesto e os alunos, sentados no chão ou dividindo cadeiras, faziam anotações.

Os de Medicina que comentava no início do post tiveram hoje lições de cirurgia animal em plena praça da Espanha, uma das principais da cidade. A Porta do Sol, uma livraria e restaurantes também fizeram as vezes de sala de aula hoje, abertas a quem quisesse assistir.

Foi, por isso, uma manifestação bem pacífica e descontraída, com música em alguns casos. Os organizadores do protesto abriram até este blog para informar onde aconteciam as aulas.

Já comentei aqui antes sobre as maneiras criativas de protestar que os espanhóis têm encontrado para além de manifestações com cartazes nas ruas. Além de imaginativas, elas costumam ser bem aceitas pela população em geral porque não geram conflitos nem atrapalham o trânsito.