O enigma catalão
26/11/12 14:04BARCELONA
As eleições regionais aqui da Espanha têm um peso enorme na política do país. Elas renovam o parlamento e o presidente de cada região, que, como já falei aqui, têm muito mais autonomia que os nossos governadores e deputados estaduais.
Agora imaginem quando, além disso, o pleito acontece na região mais rica do país mas também a mais endividada, cujo governo local está em pé de guerra com o nacional e ainda anuncia que quer se separar do resto da Espanha.
Pois está aí parte do pano de fundo das eleições da Catalunha, que, como contei no post anterior, aconteceram ontem. E por isso é de se imaginar que hoje só se fale nisso aqui em Barcelona e em todos os jornais e noticiários, que chegam a dedicar metade de seu espaço ao assunto.
Agora mesmo, enquanto eu escrevo este post, dois espanhóis discutem sobre o assunto acompanhados de um café e uma gim tônica.
Mas eu disse “parte” do pano de fundo porque há ainda mais particularidades. Para começar, o pleito só aconteceria em 2014, mas em setembro foi antecipado pelo atual presidente da Catalunha, Artur Mas.
Afogado em uma dívida que já soma € 41 bilhões e um deficit de 3,9%, Mas não conseguiu levar adiante acordo com o governo central para garantir independência fiscal da Catalunha. Ou seja, que a região detenha e distribua seus próprios impostos, no lugar de enviá-los a Madri.
Isso faz parte de um pleito histórico dos catalães, que acham que sempre aportaram à Espanha mais do que recebem de volta. Muitos se dizem cansados de carregar o país e até financiar com seus trabalhos a aposentadoria de conterrâneos de outras regiões– Catalunha é a região que mais aporta ao PIB espanhol. Argumentos que obviamente não agradam em nada o resto do país.
Na semana passada, em Madri, ouvi muitas poucas e boas contra os catalães disparadas em mesas de bares da cidade, onde se tacha a postura independentista catalã de arrogante e ingrata. Chegando em Barcelona, o discurso é todo o contrário: madrilenhos e o resto da Espanha passaram séculos ignorando e sufocando a identidade catalã, por isso ainda faz sentido, em pleno século 21, separar-se de um país com o qual muitos catalães não se sentem identificados.
Foi por isso que, este ano, a manifestação do dia do orgulho catalão, em setembro, levou 1,5 milhão de pessoas às ruas de Barcelona, um número que o presidente catalão não quis ignorar. Com o afã nacionalista de volta, como já mencionei aqui, Mas decidiu convocar as eleições antecipadas.
O resultado, no entanto, acabou sendo quase um tiro no pé de Artur Mas. Seu partido, o CiU (Convergencia e União), teve o maior número de votos, mas perdeu a maioria que tinha até então. O que tornará seu governo muito mais difícil agora.
As avaliações de hoje explicam essa vitória azeda do CiU não pela bandeira da independência, mas pela dura política de cortes que Mas vinha implementando.
Ou seja: o bolso falou mais alto, embora o grito independentista também se fez ouvir. Prova disso é que o partido Esquerda Republicana, que também advoga pelo separatismo mas é crítico da austeridade, se tornou a segunda força política nessas eleições. De dez cadeiras no parlamento catalão, passou a ter 21 –já o CiU baixou de 62 para 50 lugares.
Por isso, seu presidente, Oriol Junqueira, estava rindo à toa nesta manhã, quando tive a oportunidade de conversar com ele. É que, além de ser piadista, ele sabe que o futuro de várias medidas que o governo catalão quiser aprovar estará em suas mãos.
Bom, dito tudo isso, entendo que ainda possa parecer complicado, para brasileiros como nós, por que uma região tão pequena ainda queira se separar de seu país em pleno século 21. “Pelo mesmo motivo pelo qual o Brasil quis se separar de Portugal”, me retrucou Junqueira.
Mas ele e o governo terão de lidar com a diversidade e pluralidade que, nestes dias em Barcelona, reparei haver atualmente por aqui. Hoje, por exemplo, depois de saltar de um táxi conduzido por um sevilhano em Barcelona, eu sentei em uma taberna galega, na qual me atenderam garçons latino-americanos. Enquanto esperava um prato catalão, ouvia a conversa de amigos ingleses na mesa ao lado e tentava decifrar o catalão do noticiário da TV. Em todo este caminho e entre todos os personagens, o assunto era um só. Adivinhem qual?