Um tiro no pé real e outro figurativo atingiram na semana passada a família real espanhola, reabrindo um adormecido debate sobre a realeza em uma Espanha mergulhada em crise.
O tiro no pé real foi dado pelo neto mais velho dos reis. O figurativo, por seu avô, Juan Carlos 1º, que quebrou o quadril durante uma não divulgada viagem a Botsuana para caçar…elefantes.
Foi também durante uma caça que Felipe Juan Froilán, 12, primogênito da Infanta Elena, disparou acidentalmente contra ele mesmo, atingindo seu pé direito, em uma fazenda da família.
O mal-estar público ficou por conta de Felipe, que teve alta hoje, ser menor de idade e estar portando armas, algo que é proíbido por aqui. A Justiça investiga o caso.
Mas a polêmica maior veio dias depois, quando seu avô, titular maior da coroa espanhola há 37 anos, chegou à Espanha de uma viagem pessoal com fratura de quadril por tropeçar em um degrau em uma viagem sem nenhum conhecimento da imprensa para a caça a elefantes em Botsuana.
Daí o tiro no pé figurativo: possivelmente, a viagem, digamos, inusual, passaria desapercebida não fosse o tombo de Juan Carlos, o que o levou a uma cirurgia de emergência em um hospital em Madri, onde ainda se recupera.
Não foi o tropeço de Juan Carlos, do alto dos seus 1,88 m, que causou barulho, e sim:
1) Por quê o rei, já com seus 74 anos e problemas físicos e cirurgias acumulados por tombos recentes, foi caçar elefantes em um país onde a Espanha nem sequer tem representação diplomática e em uma semana em que seu “reino” alcançou recordes no risco país e desconfiança do mercado sobre riscos de intervenção?
2) Caçar elefantes?
3) A família real pode esconder suas agendas pessoais?
A polêmica a partir daí saltou dos revoltosos comentários no facebook e twitter para jornais e debates televisivos. Hoje, os programas matutinos dos canais de TV aberta promoveram discussões sobre o tombo e a viagem do rei.
Mais transparência nos gastos –em um momento em que o genro do rei é acusado de corrupção–, se família real pode ter vida privada, e se é oportuno tal agenda neste momento de crise no país foram as questões debatidas.
O jornal “El País” abriu debate em seu site sobre se o premiê Mariano Rajoy, que sabia da viagem, deveria ter tentado impedir a aventura, algo que outros líderes de governo já fizeram no passado. O concorrente “El Mundo”, mais conservador, criticou a viagem em editorial.
Ambientalistas criaram um abaixo assinado pedindo que o rei deixe de ser presidente de honra da WWF (World Wildlife Fund) na Espanha. A própria WWF expressou “mal-estar” sobre o episódio.
O atual líder dos socialistas, Alfredo Pérez Rubalcaba, disse nesta manhã que, embora não comente a agenda pessoal da família real, pedirá audiência com Juan Carlos 1º.
A discussão tem sido bem incômoda por aqui, porque a figura do rei é relativamente bem aceita, e, em particular, a de Juan Carlos 1º, considerado um monarca popular, simples, agradável. Ele é também respeitado por ter tomado as rédeas contra uma tentativa de golpe militar no país em 1981 ao fazer pronunciamento em cadeia nacional com uniforme militar ordenando o fim do motim –embora em fevereiro deste ano o jornal alemão “Der Spiegel” tenha divulgado que o então embaixador do país na Espanha informou a seu país que Juan Carlos expressava simpatia pelos militares revoltosos.
A popularidade não tem segurado, no entanto, o debate que a crise, agora adornada pela caça aos elefantes, recolocou em torno à realeza, um dos setores com menos corte percentual de verba no orçamento apresentado semana passada pelo governo espanhol.
Uma curiosidade: quando tinha 18 anos, o hoje rei Juan Carlos 1º matou sem querer seu irmão com um tiro no rosto ao disparar por acidente uma pistola.