Enquanto que quase ninguém ouviu falar em Madri da idosa brasileira barrada esta semana no aeroporto de Barajas, o anúncio das medidas de reciprocidade que o Itamaraty promete aplicar a turistas espanhóis a partir de abril já está na boca do povo por aqui.
Pouca gente, inclusive brasileiros que vivem na cidade, soube do caso no qual a paulista Dionísia Rosa da Silva, 77, passou três dias com a roupa do corpo no aeroporto de Barajas, na capital espanhola, e depois foi deportada ao Brasil por não cumprir os requisitos para entrar no país.
Já a decisão do Itamaraty, por outro lado, é noticiado desde fevereiro e preocupa especialmente quem tem planos de viver no Brasil. Tem espanhol reclamando por aqui que o Brasil quer injustamente impedir que cidadãos do seu país, em crise, tentem a vida pelos trópicos, sem nunca ter ouvido as tenebrosas histórias dos brasileiros enviados para a famigerada salinha de retenção de Barajas.
A imprensa daqui tem noticiado, sem muito alarde embora com algum destaque, as novas exigências que o pessoal do lado de cá terá de enfrentar para ir ao Brasil. Mas o tom sido de alerta a quem vai viajar, e não de crítica ao governo brasileiro.
Pelo contrário: muitas notícias sobre o tema começam até a contar ou relembrar os casos de brasileiros barrados em Madri desde 2008. Há cerca de duas semanas, o “El País”, principal jornal espanhol, alertou seu governo para a importância de flexibilizar a fiscalização a brasileiros, que vêm visitar o país ibérico e, por tanto, gastar nele. Em reportagem de página dupla com o título “Não são imigrantes, são turistas”, uma referência direta aos visitantes tupiniquins, o texto também comenta as queixas de brasileiros com o tratamento no aeroporto de Barajas, algo pouco mencionado por aqui.
O governo espanhol –que não quer desperdiçar turistas, menos ainda os de países emergentes– sabe disso e internamente vem discutindo maneiras de “baixar a bola” com os brasileiros. O que, na prática, não significaria mudar as exigências –as mesmas para todos os cidadãos não europeus–, mas simplesmente deixar de interrogar tantos brasileiros.
Isso já vem sendo feito, como mostram números coletados pelo consulado do Brasil em Madri. A quantidade de “barrados no baile” desceu de 2.196 barrados em 2008 para 1.714 em 2009.
De fato, nenhuma das visitas e conhecidos meus que vieram a Madri no ano passado relataram ter passado por qualquer tipo de interrogatório. O que não quer dizer necessariamente que a Espanha afrouxou ou apertou o cerco aos brasileiros. O que dizem por aqui é que isso varia de acordo com a época ou até com o ânimo dos policiais no aeroporto.
No fim do ano passado, um amigo paulista que vive aqui em Madri teve um convidado barrado no aeroporto. Ao ser comunicado disso, passou cinco horas em Barajas tentando, sem sucesso, reverter a situação. Seu amigo, do outro lado do portão, contava em tempo real sobre as companhias suspeitas que lhe acompanhavam na detenção. De tentar entrar no país, sua luta passou a ser não passar a noite ali, o que consegui evitar ao embarcar em um voo noturno da TAM, onde outros dez passageiros também haviam sido barrados.
O consulado do Brasil aqui em Madri fica muitas vezes com as mãos atadas pela legislação espanhola, que não pode furar. E insiste para que os brasileiros cumpram as normas, enquanto a diplomacia brasileira não consegue dobrá-las.
A ausência da tal carta-convite, segundo o consulado, é a principal causa de retenção de brasileiros em Barajas. Trata-se de um recurso exigido por quase todos os países europeus a quem vai se hospedar na casa de conhecidos ou familiares no continente. A diferença é que Madri, voltada a reprimir a imigração irregular no país e no resto da Europa, tem regras muito mais rígidas para a elaboração da carta-convite que a maioria dos vizinhos europeus. A polícia espanhola exige, por exemplo, tradução juramentada de documentação dos turistas, em um processo que pode levar até seis meses. Também não aceita carta-convite de outros países da Europa, o que complica casos de brasileiros que tenham outros destinos no continente mas fazem escala em Madri.
Normas à parte, as principais queixas dos barrados, segundo o consulado, são o mau-trato e agressões verbais por parte de policiais de Barajas. Algo que, mesmo com a reciprocidade em vigor, a gentileza brasileira espera não retrucar.