CÁDIZ
Ano passado, nesta mesma época, falava neste post de dois tipos de qualidade de vida que a Europa levou a extremos: a de uma ilha espanhola com quase metade da população em desemprego mas com praia, bom tempo e a dolce vitta mediterrânea, e a de uma cidadezinha no País de Gales também à beira-mar, com bons índices de emprego e acesso quase pleno ao estado de bem-estar social, mas sob chuva e frio o ano inteiro que impedem seus moradores de usufruir da praia.
Naquela época, passava uns dias em Swansea, cidade galesa à beira do Atlântico. Hoje, quase um ano depois, estou no outro extremo do Atlântico e de qualidade de vida na Europa: Cádiz, no sul da Espanha, outra pequena cidade à beira-mar, uma das mais antigas da Europa ocidental, porto de saída e chegada de embarcações na época do Descobrimento, onde se assinou a primeira Constituição da Europa.
E, sobretudo, o tipo de lugar que você chega e custa ir embora: praias extensas, bom tempo, peixe frito e frutos do mar baratos, frutas e vegetais frescos, gente simpática, alegre e tranquila, uma catedral imensa, ruelas medievais ainda rodeadas por uma muralha, silêncio só interrompido pelo barulho do mar, o som dos músicos tocando na rua e pessoas rindo.
Mas –e com este porém peço desculpas a quem já pensava em arrumar as malas e tocar o barco para Cádiz– é também a província com a maior taxa de desemprego de toda a Espanha atualmente. No primeiro trimestre do ano, esse índice chegou a nada menos 41% por aqui, bem acima dos já assustadores 27% da média em toda a Espanha. O nível desemprego em Cádiz é quase quatro vezes o da média europeia.
Um índice cujos efeitos vi em menos lugares que imaginava encontrar. O trem de alta velocidade Madri-Cadiz, um trajeto caro, estava quase todo cheio, assim como o sentido contrário. Pedintes na rua, só vi uma mulher, com uma lata de cerveja na mão e um cigarro em outra.
O setor hoteleiro, que segundo noticiava o jornal local do dia perdeu mais de 10 mil empregos com a crise, também não parecia vazio. No meu hotel, a ocupação era de 75% em uma segunda-feira, quando vi muitos turistas passeando nas ruas também. Aliás, entre os hóspedes que tomavam café da manhã comigo, todos eram…ingleses, atrás de sol e praia.
E daí que voltei a lembrar dessa ambiguidade sobre a qual escrevia há um ano. É claro que a crise aqui é evidente, se não nas estatísticas de desemprego, nas notícias do jornal do dia como “balança comercial de Cádiz no vermelho”, “viúva analfabeta processa banco por fraude com sua conta”, “milhares de postos de trabalho perdidos em hotelaria”.
Mesmo assim, todas as pessoas da região com as quais conversei do tema –dos taxistas a pais brincando com os filhos no parquinho, passando por garçons, jovens sentados em um bar, o piloto do barco e vendedores em loja de conveniência — repetiam frases similares, embora não negassem a crise: “aqui se vive bem”, “é um lugar muito tranquilo”, “o tempo bom ajuda muito”, “há uma mágica aqui”, “não troco por nada”.
Então, volto ao mesmo questionamento que fiz há quase um ano, passando a bola para que vocês me respondam com opiniões: na Europa, você preferiria viver em um país com a segurança de uma economia estável mas que vê o sol apenas alguns dias do ano e cujas frutas têm sabor a plástico ou em outro com temperaturas amenas e alimentos frescos à beira do Mediterrâneo mas com as finanças na corda bamba e ameaças constantes de desemprego?